O gigante de Tiga tinha tudo para ser um cult pós-Manchete |
Após o triste fim da Rede Manchete em 1999, as séries de tokusatsu originais (do Japão) teriam uma certa sobrevida. Era pra continuar de fato. Mas a vida tem lá suas contradições, né? Eis que no dia 28 de fevereiro de 2000 (segunda-feira) uma então nova série da Família Ultra dava início no Brasil, após uma considerável divulgação na programação da Rede Record, para a exibição nas manhãs do programa Eliana & Cia. Ultraman Tiga (1996~97) tinha tudo para engatar de vez e emplacar um sucesso que merecia, perigando ser um clássico equivalente ao Jaspion e até mesmo ao próprio Ultraman em pleno século XXI.
A série foi trazida pela distribuidora Mundial Filmes e com a colaboração de Marcelo Del Greco (ex-Revista Herói) no projeto de lançamento. A dublagem foi realizada pelos estúdios da Áudio News (do dublador Marco "Yusuke Urameshi" Ribeiro), os mesmos onde foram dubladas as duas versões do anime YuYu Hakusho. Comparando o nível, tudo era diferente, pois a dublagem era carioca. Ao invés da tradicional dublagem paulista, já que estávamos acostumados com este elenco na grande maioria das séries de tokusatsu exibidas nos anos 90. Aliás, naquela década a dublagem carioca esteve presente em tokusatsus como Gavan, Shaider, Bicrosser, além das temporadas clássicas de Power Rangers. Curiosamente, por coincidência (ou não), a dupla Eduardo Borgerth e Marisa Leal voltariam a interpretar um casal nas séries japonesas. Antes de Daigo e Rena, eles já haviam interpretado Dai Sawamura e Annie, respectivamente, em Shaider.
O primeiro Ultra da era Heisei tinha uma história menos "arrastada" do que as primeiras séries da franquia. Porém possuía uma alta e elevadíssima carga dramática. Em vários episódios isolados, próximos à metade da série, era impossível não se emocionar com os desfechos de cada. Sejam alegres ou tristes. Eram qualidades que destacavam o guerreiro da luz. Tiga representa o mesmo que Kamen Rider Black é para a franquia dos motoqueiros mascarados, pela sua própria atmosfera dark.
Na TV brasileira, Tiga marcava 8 pontos de audiência, com picos de 13. Dois a mais que Pokémon, que era fortemente o carro-chefe da programação entre 1999 e 2000. (Nota: a segunda leva de 52 do anime havia começado na Record em 21 de fevereiro de 2000. Exatamente uma semana antes da estreia de Tiga.) Não chegava a ser tão popular, mas era um bom começo. Infelizmente houve o velho atraso no lançamento de produtos ligados ao tokusatsu. A série era recebida com uma certa estranheza por Eliana e sua trupe. Era pra ir ao ar - pontualmente - às 10h30 da manhã como dizia as chamadas comerciais que anunciavam o tokusatsu. Mas pra dar aquele "up" na audiência, a apresentadora atrasava uns dez minutos (raramente começava minutos antes do previsto) e usava de uma certa artimanha chamada Chiquinho. Sim, aquele personagem patético que dizia "Dona Eliana" e sempre fazia desenhos toscos para a mesma num quadro branco. Coisa que retardava as crianças da época e subestimava a inteligência das mesmas. No dia da estreia foi até um cosplay do Ultraman (com uma máscara que parecia mais com um Ultraseven defeituoso de olhos azuis) lutar contra um "King Kong" de tamanho real. No YouTube você pode ver um pouco deste momento constrangedor aqui. E isso tudo pra não dizer que Eliana confundia todo santo dia o Tiga com o Ultraman original. Mais constrangedor impossível.
Depois de vermos batalhas clássicas, como do Evil Tiga, e passados 48 episódios inéditos, Ultraman Tiga sai do ar sem dar satisfação aos telespectadores que acompanhavam diariamente. Sem maiores explicações naquele momento, Eliana anunciava a re-estreia da animação Donkey Kong no horário do tokusatsu. Uma tremenda falta de respeito com os fãs, pois faltavam quatro episódios para encerrar uma série que tinha praticamente tudo para elevar a fama da própria Record. Um tempo depois foi revelado que o motivo foi por um pedido da apresentadora, que afirmava que aquele tipo de atração "não combinava em nada com seu programa". Venhamos e convenhamos: realmente Ultraman Tiga era maduro demais para estar num programa infantiloide que deixava passar crianças seminuas dançando a "boquinha da garrafa" e coisas do tipo. Ah, faz favor, né, dona Eliana?
Ultraman Tiga poderia estar dignamente no horário nobre e fazer bonito. Haviam planos da Mundial para levar o filme Ultraman Tiga: A Odisseia Final para os cinemas. Além da série da sequencia do herói, Ultraman Dyna (1997-98) para a TV. Além de que Del Creco idealizava uma sessão que seria exibida nas noites/madrugadas, com direito às renovações de direitos das séries Ultraman, Ultra Seven e O Regresso de Ultraman que ganhariam redublagem. Del Greco pretendia lançar também outras séries a partir de Ultraman Ace (com exceção de Ultraman Tarô). Antes das fitas masters de Dyna chegarem ao Brasil, houve uma escala do elenco de dubladores para os personagens principais. No caso, Hermes Baroli, que estava passando um período de trabalho no Rio de Janeiro, emprestaria sua voz para Shin Asuka/Ultraman Dyna. Márcio Seixas faria o Capitão Gousuke Hibiki. Estes mesmos só vieram mesmo a trabalhar com seus respectivos personagens no filme Ultraman Tiga & Ultraman Dyna: Os Guerreiros da Estrela da Luz, lançado por aqui em DVD pela Focus Filmes em 2011 e atualmente disponível no serviço de streaming Netflix. Por uma triste ironia do destino, estes materiais só chegaram no dia que Tiga saiu do ar pela primeira vez na Record.
Tiga teve mais duas exibições nos anos de 2001 e 2002, restritas apenas para São Paulo. Serviram apenas de tapa-buraco e nunca chegavam até o final. Coisa que só aconteceu entre maio e julho de 2005, na única (e mítica) exibição da série na Rede 21, sendo substituído em seguida pela reprise do anime Tenshi Muyo. Tiga teve uma sobrevida no mercado home-vídeo com os filmes da franquia Ultra, mas nada de tão glamouroso, infelizmente.
Como os tempos são outros agora, e o mercado de streaming está em ascensão, principalmente se tratando da parceria entre a Tsuburaya e a Crunchyroll, talvez algum dia o nosso herói tenha o destaque que mereça, mesmo que seja calcado apenas entre um público específico e inveterado na cultura pop japonesa. Tiga deveria mesmo ter uma nova chance como uma luz dourada e resplandecente. Foi mais uma que amargou na lista dos tokusatsus injustiçados em nosso país.
+ Ultraman ou "Ultraman Hayata"? Eis a questão
+ Hey tokufã, admita: você também é otaku